dimanche 8 décembre 2013

Este filho natural de Cuba, Wilfredo de la Concepcion Lam y Castilla



Um grande pintor: Wifredo Lam





"Los Novios", 1944



"Retrato de H.H.", 1944



"Mesa III", 1944



"Mujer sobre fondo verde", 1942



Lydia Cabrera


Em 1938, a sensacional exposição na galeria Pierre, em Paris, de um jovem que até então acreditávamos ser europeu, era recebida pela crítica sagaz, e forçosamente pelos poetas, pelo que havia de conteúdo poético na obra do artista (o reivindicam os surrealistas, com quem convive em Marselha o ano terrível do armistício, e no primeiro desterro, na Martinica, aonde vai se refugiar com André Bretón, Pierra Mabille, André Massón, o grande poeta mestiço Aimé Césaire e outros), como uma revelação das mais sérias e surpreendentes.
Não dissemos êxito – o êxito perigoso, que nenhum artista verdadeiro toma demasiadamente a sério, e que lhe rende boas notas de dinheiro; notas que se gastam tão bem e tão a gosto em Paris como em nenhuma outra parte do mundo -, mas dissemos “revelação”, a qual lhe valeu, com toda justiça, a alentadora estima dos “estimáveis”, a única que interessa merecer.
Ignorávamos que este autêntico pintor – a frase vem de Picasso, o mais autêntico dos gênios de nosso tempo – de quem líamos o nome com freqüência nos catálogos das exposições de pintura moderna junto com Braque, Leger, Klee, Ernst, Miró, Gris, Chagall, Picasso o Mago; e cujas telas de uma plástica tão nova e rica e ao mesmo tempo tão rigorosa – dir-se-ia que Lam, talvez porque tenha um sentido justíssimo da composição que nele deve ser inata, se propunha e sabia expressar sempre o essencial na grandeza decorativa de suas construções tão harmoniosas – era ... cubano! Nascido em Las Villas, na cidade de Sagua la Grande.
Em várias ocasiões e ultimamente na cidade nova, angustiante e sem alma que é Nova York – onde há agora para a lembrança e a ilusão, lugares transplantados com um pouco do ambiente de França, caricaturas bastante fieis de Bistrot e restaurantes pequenos, ainda desconhecidos, onde se come razoavelmente à francesa e morrem de nostalgia os paroquianos – em uma tertúlia de pintores caídos na debandada inevitável deste lado do hemisfério, nos haviam falado de “Wifredo Lam como um dos jovens plus remarquable de la jeune peinture”. Na época sorrimos com o obrigatório de um patriotismo complacente, pois não suspeitávamos – nem a profundidade de sua obra nos havia feito suspeitar – a nacionalidade do interessante artista, que recebeu sem enfatuar-se, porém como se fosse a compensação mais preciosa a toda uma difícil vida de trabalho e fervor, a proteção decidida e o apreço de Pablo Picasso. Assim o arcaísmo – sem falsidade nem sutileza – puro e espontâneo de sua arte lavada já não surpreende. “Lam, para responder às explicações que lhe pedia a inquietude de seu espírito, às exigências de seus sonhos de plástica e de lírica, soube aproveitar a deslumbrante lição de juventude e eternidade da arte – que a tantos escapa – e que lhe ofereciam algumas salas dos museus...”

Duas velhas culturas – Ásia e África – imprimem a sua obra este precioso acento de verdade profunda, ancestral; e de nenhum modo, poderia chamar-se “exótico” – no sentido vulgar que se vai utilizando a palavra – a linguagem plástica que falam suas formas exaltadas e depuradas. A sensibilidade, a herdeira talvez de sua velha ascendência na aurora do tempo; sua inspiração busca as fontes primordiais de um mundo que ele recria, sem limitações no espiritual, rico de forças interiores, incrível de possibilidades e de conseqüências. Mundo que levava dentro, talvez sem suspeitar, aonde seu instituo o conduz, maduro de experiências, e do que nos separam não tanto as montanhas de séculos, mas sim os abismos da incompreensão, do hábito e dos preconceitos.
Se explica perfeitamente como Lam, com uma desenvoltura pasmosa, inteiramente liberado das fileiras da pintura realista, que busca e se afana por vários anos com igual honradez e severidade, salta ao campo contrário e cai aí com tão perfeito equilíbrio. (E ele poderia responder aos míopes, fósseis da academia, com as magníficas palavras de Picasso: “se o artista modifica seus meios de expressão, não quer dizer com isso que tenha mudado seu estado de espírito. Todo mundo tem o direito de mudar... até os pintores!” Na arte nunca se improvisa).

El Greco, tantas vezes copiado e recopiado, estudado até a saciedade por Lam, foi seu grande mestre de modernidade. Lam, para responder às explicações que lhe pedia a inquietude de seu espírito, às exigências de seus sonhos de plástica e de lírica, soube aproveitar a deslumbrante lição de juventude e eternidade da arte – que a tantos escapa – e que lhe ofereciam algumas salas de museus. A análise a fundo dos grandes mestres e das leis eternas da arte é a melhor preparação para penetrar inteligentemente sem exaltação nem sobressaltos, na aparente confusão ou hermetismo da nova estética, e a conseqüência muito lógica do que seja esta arte moderna, ainda tão debatida (um “moderno” que aqui se pronuncia como se se incluísse sempre uma injúria na palavra, ou se defendesse quem a pronuncia, do perigo do contágio fulminante de loucura!)
Da primeira época analítica de Lam, não conhecemos nada. Os quadros pintados na Espanha,os considera irremediavelmente perdidos na confusão da guerra.
É em Paris – como sempre – onde Lam se encontra por inteiro a si mesmo: onde sua sensibilidade, seu talento e sua personalidade se afirmam vigorosamente em uma nova orientação decidida. O artista recebe como ninguém, na alma, o sopro estimulante e fecundo de Paris; ali se abandona, cheio de fé em si mesmo, e de esperanças – e consciente do que quer – a uma verdadeira febre de trabalho e de criação, sem mais preocupação que a de sua aventura plástica nem outro afã que o de exteriorizar o choque de uma emoção na nítida superfície da tela; fixar o mistério de um gesto, dispor a arquitetura complicada de uma sensação..., com vontade inteligente.
Lam trabalha então como um possesso, porém o lastre de uma sólida preparação e sua honradez, sobretudo – o respeito à pintura como forma de expressão – seu instinto, ademais do equilíbrio e da medida, o salvam de toda possível embriaguez e extravio. Com passo firme e seguro se empenha no caminho inovador aberto por Braque e Picasso.
O grande español – figura central de uma das épocas mais ricas e intensas da história da arte – o deslumbra com a audácia de seu gênio prodigioso, que não para de criar, de assinalar novos caminhos desconhecidos, novas possibilidades estéticas insuspeitadas até mesmo para ele... Mas não seria justo dizer que a sentida influência de Picasso em Lam diminua o mínimo de sua personalidade, muito pelo contrário; a fortalece e explica. Para este “primitivo” de sensibilidade refinada, que poderia talhar uma cabeça de Gabão ou uma divindade Balouba, formado nas cultura clássicas, porém em quem o cósmico e suprasensível continuavam vivendo (apesar das academias, das que tão a tempo sua originalidade o aparta), a influência de Picasso se faz sentir justamente pela noção de criação lírica, e de livre iniciativa, que é o precioso e fundamental de sua influência. Em Lam há influência de Picasso, mas não imitação, que é a renúncia de si mesmo e todo o contrário do que possa resultar de uma autêntica influência, a que exige afinidades profundas, e é como o esclarecimento e o reconhecimento de um nexo interior. Picasso ajudando-o a aprofundar na verdadeira natureza de sua emotividade, o impulsiona à realização, sobre as bases mais essenciais de seu temperamento. Atua como um estímulo ao aproveitamento das faculdades receptivas de seu forte atavismo.

Este filho natural de Cuba, que não é um pintor de Cuba pelo sentido universal de sua arte nem por sua formação – não há palmeiras, nem ceibas, nem abacaxis, nem “congas”, nem nada típico, descritivo, psicológico ou anedótico em sua obra; só poderíamos reclamar-lhe pelo acaso de seu nascimento – nos faz pensar em outra artista, cubana também e obriga a associa-la a Lam em nossa estima: Amelia Peláez, que transpõe os limites do localismo e seus balbuceios, e se situa discretamente em um plano de nova pintura.
Atualmente Wifredo Lam está vivendo em Havana – em todas as ordens e intensamente no moral – a tragédia de um desterrado. Atormentado pelo drama terrível da Europa, França – que é o drama pessoal e desgarrador de todos os que voltaram a ela os olhos e a conheceram e amaram profundamente -, muito mais do que jamais puderam crer ser capazes de ama-la, Wifredo Lam leva uma existência solitária e difícil, sem sair apenas do atelier que improvisou na cobertura do terceiro andar de uma casa de Luyanó, que domina o panorama... Ali trava uma batalha com a realidade amarga do presente; mas sua força de vontade vence e continua heroicamente o esplêndido labor interrompido no apartamento acolhedor do Quai St. Michel, no ambiente único e propício da cidade compreensiva e inesquecível. Cria, busca satisfeito, trabalha com a mesma paixão e a intenção pura, e o mesmo rigor ambicioso de superação, dizendo-se que, afinal de contas, pior que a perda de Paris, seria como escrevia a um amigo aquele pintor enfermo e desgraçado – cometer “uma falta de arte”...
Agora suas obras irão às galerias Norteamericanas; já estão prontas para empreender o vôo sobre o mar, com um azul mais límpido que o de uma manhã de primavera – daquela primavera -, o cavalo de um carrossel de sonho, com sua crina sutil de brisa e a ternura indizível de uns olhos que giram e giram na triste alegria da feira do arrebalde, dóceis à fantasia; ou que giram no círculo estelar do paraíso dos cavalos de tio vivo, sempre mais ou menos suspensos entre o céu e a terra; e a figura enigmática – como reminiscência de uma realidade no sonho – estranha imagem poderosamente sedutora em que o indefinido toma a forma de uma mulher, aparição transcrita do mistério de uma noite interior, que dirige ao poeta André Breton em Nova York. (Lam ilustrou o poema de Fata Morgana e já temos dito que a trama poética de sua obra, e as vezes suas incursões e buscas no subconsciente, o automatismo de muitos de seus desenhos e pintura, e desde então, a atitude de reter da fugacidade do sonho uma emoção real, o levam as vezes próximo ao movimento que define Bretón em seu famoso manifesto; onde afirma que a obra plástica só há de referir-se “a um modelo interior”.
Wifredo Lam não tem ainda 40 anos. Sua incrível capacidade de trabalho e seu caráter obrigam a esperar dele grandes coisas. É um dos jovens a quem o esforço de emancipação, esforço desinteressado e puro – não há desejo de surpreender; épater le bourgeois, nem desejo de agradar, nem truques, nem malícia, nada baixo ou ignóbil em sua pintura – levou muito longe na conquista de um ideal; que baseando-se na criação livre não reconhece outras leis que as da sensibilidade estética. 
Seus quadros figuram nas coleções mais exclusivistas da Europa e América, e é imperdoável que seu nome, que já pertence a uma elevada categoria de artistas, seja silenciado por mais tempo em Cuba, sua própria terra.

Lydia Cabrera. “Un gran pintor: Wifredo Lam”. Diario de la MarinaLa Habana, 17 de mayo de 1942.
Texto cortesía del Centro de Arte Contemporáneo 
Wifredo Lam







Atelier em Havana



Helena, esposa de Lam. Havana



André Breton e Wifredo Lam em Porte-au-Prince, Haïti. 1945


Lydia Cabrera











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